terça-feira, 20 de maio de 2008

Capítulo XXI - O início e o fim de Joan Stocks


"Como de costume nas sextas-feira, Joan saía de seu trabalho e não ia direto para sua casa. Joan trabalhava como acompanhante de uma senhorinha já velha, que mal conseguia falar. Dizia frases pela metade e ainda sim, sussurrava. Joan era uma garota dedicada. Era amável com seus pais e principalmente com sua irmã Anny, a qual necessitava muito de seu tempo disponível, por depender muito dos outros, afinal de contas, ela era cega.
Em casa deixava um recado de que iria trabalhar até mais tarde. Joan era uma mulher bonita e atraente, com compridos olhos cor de mel e boca saudável. Saía às 20:00 horas em ponto da porta da casa da senhora e tomava um táxi logo em frente, na rua 13. Ela sempre fazia aquilo. Olhava para todos os lados, observando se não era vigiada. De dia, uma simples acompanhante. A noite, uma explosiva dançarina de um luxuoso cabaré. Não tinha muito tempo, era o instante de sair do táxi e ir se arrumar para mais uma de suas apresentações. Não era a única mulher do show, porém era a mais aplaudida e quem recebia mais convites de programa. Diferentemente dos outros dias, aquela sexta-feira era especial. Era o seu aniversário e não era tão simples assim subir num palco quase despida com luzes de neon. No rosto passava uma maquiagem pesada. Nos olhos, um lápis muito escuro, tão preto como o carvão. Na boca um batom vermelho cereja. Ela estava exageradamente maquiada, só lhe faltava o figurino rebelde daquela noite. Fazia tempo que ela não ficara mais ansiosa com seus figurinos. Havia tempo que ela não sabia mais o que era surpresa. No espelho, um reflexo da mulher modificada, aquela que só aparecia nas sextas. Joan ficava a imaginar o motivo pelo qual fazia aquilo tudo. Ninguém nunca tinha visto alguém chorar lágrimas pretas. Joan viu. Joan viu seu próprio personagem se desmanchar em meio a lágrimas e uma imagem sensual. Aquilo só poderia acontecer com ela. A bela moça dos olhos cor de mel se cansava ali do protótipo de femme fatale! À 10 minutos do show que iria mudar a sua vida, se descabelava como uma louca. Sua maquiagem, completamente borrada, lhe dava agora uma figura medonha, de um ser demoníaco. Ouvindo passos dem direção ao seu camarim, tentou se esconder. Era tarde demais, seu supervisor já lhe apressava. O homem não queria saber da aparência da moça, queria apenas que ela subisse naquele palco e rebolasse como nunca. O aniversário mais infeliz que ela já tentou imaginar. Ainda que estivesse borrada e descabelada, deveria subir ao palco aquela noite.
Num erguer de cortinas, as belas moças apareceram e Joan não se destacava mais naquela noite, não no início do show. A apresentação começou e com ela a invasão da casa noturna por policiais. O braço direito do delegado Ryan era o senhor Stocks. Todos aqueles policiais portavam uma arma e de repente, Joan se vira para eles. Surpresa! Joan conhecia muito bem o senhor Stocks, afinal eram pai e filha. O senhor Stocks não acreditava no que via. Joan se mostrava intacta no palco. Sentindo um imenso remorso e um medo terrível, Joan se despara por trás das cortinas. Tarde mais! O senhor Stocks sacara sua arma e mata sua própria filha. Pobre Joan, vítima de sua própria ambição e ingenuidade. Pobre senhor Stocks, vítima de seu orgulho e falta de compreensão. Uma lágrima caíra do homem e só depois de sentí-la em sua camisa que fez questão de olhar o espaço à sua volta. Fugiram todos com medo daquele ato se repetir. O salão era vazio e ao chão, riachos de sangue. O corpo de Joan estava atirado no chão. Os colegas de trabalho algemam senhor Stocks que é retirado do recinto. Mais um capítulo de um problema urbano comum. Mais um capítulo da vida não valorizada e do desrespeito. Mais um capítulo do cotidiano de uma família que já tinha muitos problemas e só ganhara mais um! Mesmo que se viva anos, a vida ainda é curta para realizar-se por completo. Ou às vezes é muito curta para nossa mente curta."
(Do livro: "O mundo colorido que Anny não podia ver" (Em construção).
Por Éverton Resende)

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